Entrevistas

Entrevista com Christopher Reeve - O Super Homem feita por Maria Cândida

Depois de entrevistá-lo, percebi que existem muito mais coisas entre o céu e a Terra do que eu imaginava. Eu me senti renovada e ao mesmo tempo envergonhada só de imaginar que se acontecesse um acidente como o dele, comigo, não sei como reagiria. Foi a minha melhor entrevista, sem dúvida!


Christopher Reeve é um homem que tem uma história impressionante. Foi galã, um super-homem bonito, rico e teve acesso às futilidades que a fama proporciona. Em 1995, a vida dele mudou totalmente com a queda de um cavalo durante uma competição. Ficou tetraplégico. Não faz nada sem a ajuda de enfermeiros. É totalmente dependente dos outros.

Seria muito simples abandonar a vida, trancar-se em casa e não compartilhar essa experiência dolorosa com ninguém. Todos entenderiam, porque afinal não é uma situação nada fácil, simples, é quase que insuportável. Mas ele foi e continua sendo forte. Um espírito combatente, que auxilia milhares de deficientes no mundo todo. Como vocês vão ler na entrevista abaixo, Christopher não tem uma religião, mas acredita em um ser superior, algo que ele não compreende.

Fui para Nova York, nos Estados Unidos, na casa dele e conversamos por mais de uma hora. Foi maravilhoso! Tenho saudades e sempre que o vejo na TV, seus progressos, penso: esse cara vai conseguir, ele merece! Não posso deixar de dizer que é um dos maiores exemplos que eu já vi e uma das maiores lições que tive, porque ele é um exemplo de renovação e fé. O verdadeiro super-homem.



MC: Você ainda sente preconceito?

CR: As pessoas não se sentem bem ao olhar para alguém com defeitos físicos. Elas ficam muito incomodadas. Algumas vezes, não olham para mim diretamente. Ficam ao meu lado e eu não posso vê-las. Acho que parte do meu trabalho é justamente quebrar essas barreiras. Ir aos lugares públicos em que as pessoas não se sintam mal em ver alguém assim, tetraplégico.

MC: Você perdeu amigos depois do acidente?

CR: Eu ganhei amigos no mundo todo. E os meus amigos de verdade ficaram ainda mais próximos.

MC: Você acha que isso acontece com todos que tem algum tipo de deficiência física ou aconteceu especialmente com você, por ser uma celebridade?

CR: Eu acho que os deficientes têm muitos problemas. Quando acontece o acidente é difícil para a família, para todo mundo. Muitas vezes, marido e mulher separam-se. O que não ficou paralisado não sabe lidar com o problema. Tem gente com filho deficiente, que não aceita e o coloca numa instituição. É muito duro. Eu tenho muita sorte, sou um grande privilegiado. E esse privilégio vem da fama, claro!

MC: Você faz pesquisas? Sabe quantas pessoas existem no mundo com a mesma deficiência que a sua?

CR: Cerca de dois milhões. A maioria está em condições muito ruins. As pessoas que tem algum tipo de paralisia pensam que não tem mais saída, não tem nenhuma esperança, expectativa de vida. Geralmente não tem emprego, não podem ter um carro, não tem vida social, nada. E ainda perdem os amigos. Eu, particularmente, sinto muito pelos jovens com deficiência física. Existem muitos jovens atletas, de ginastas aos jogadores de futebol, que sofreram acidentes e tiveram a vida interrompida.


MC: Você criou uma fundação para ajudar deficientes, a fundação que leva o seu nome, Christopher Reeve... Por ser um ator muito famoso, você acha que o seu exemplo ajuda os deficientes? Afinal, você dedica a vida a essa


causa... E o que ainda falta para a fundação, o que ainda é preciso para fazer por deficientes como você, com casos até agora irreversíveis?

CR: Infelizmente, dinheiro ainda é fundamental para ajudar essas pessoas. Não adianta você ter boa vontade, uma excelente intenção, sem dinheiro. Ninguém faz pesquisas de graça. A fundação procura cientistas e investe em pesquisas para tentar achar a cura. Nós procuramos empresas para conseguir dinheiro. Só para você ter uma idéia, a fundação gasta cerca de cinco milhões de dólares, mais de 10 milhões de reais por ano, só para ajudar deficientes em terapias específicas, com ajuda de custos para moradia, transporte, alimentação, tudo... E mesmo com cinco milhões de dólares não conseguimos ajudar todo mundo que precisa. Deficientes que precisam tanto de auxílio nos procuram e sou obrigado a dizer não. Eu sinto muito, muito mesmo por isso, mas não temos dinheiro.

MC: Você acha que empresários poderiam ajudar mais? O que falta para o ser humano ajudar?

CR: Eu gostaria que todos nós e principalmente donos de grandes empresas lucrativas parassem para pensar e se colocassem no lugar de pessoas como eu, imóvel nesta cadeira. A vida é uma surpresa. Ninguém sabe o que pode acontecer amanhã. E se um dia, algum deles ficasse como eu e tivesse que dormir nas ruas, mendigar para comer? Se todos pensassem assim, tratariam o outro do jeito que gostariam de ser tratados.


MC: Nos países de terceiro mundo existem empresas que tem boa vontade, mas pela situação do país não tem dinheiro para ajudar uma fundação como a sua. O que elas podem fazer? Poderiam, por exemplo, admitir deficientes físicos?

CR: Existem estudos comprovando que quando um deficiente tem uma chance, ele trabalha mais que os outros empregados. Ele agarra aquela oportunidade como se fosse a única na vida dele e vai usar todo o potencial em benefício da empresa. Geralmente são melhores empregados que os demais, são motivados. Isso é comprovado nas nossas pesquisas. Sei que muitos empresários e gente influente do governo podem ajudar de alguma forma. A mídia também tem um poder enorme nas mãos e pode ajudar na conscientização das pessoas. Quando pessoas influentes vêem o problema, sentem as dificuldades de perto, elas ajudam e mudam de posição. Eu já vi isso acontecer.

MC: Você acha que existe alguma razão maior na vida, que talvez ainda não entendamos, para acontecer fatos como o seu acidente, que o deixou paralisado?

CR: Eu não acredito em destino, que você é obrigado a sofrer. Acho que quando acontece um acidente, como o que eu sofri, é uma nova oportunidade. Ser um deficiente que não move nenhuma parte do corpo do pescoço para baixo muda totalmente a sua perspectiva de vida, de mundo, tudo. É uma chance de ver as coisas de um outro ângulo, de aprender algo novo. E esse aprendizado é a sua salvação. É a única forma de acreditar que a sua vida não acabou. Se você escolher o outro caminho, não fará nada, estará perdido.

Antes do acidente, em 1994, atuei num filme como um detetive paraplégico. Eu fui a um centro de reabilitação na Califórnia para ver de perto pessoas com deficiência. Fiquei lá por algum tempo, porque deveria aprender como ser um deficiente “de verdade” para o filme. Aprendi como me movimentar usando uma cadeira de rodas... Como entrar e sair de um carro... Como levantar da cama... Eu estava tão incomodado, sentia tanta tristeza... Não conseguia encarar aquelas pessoas, deficientes. E tenho que admitir: toda vez que saía de lá e chegava no meu hotel, confortável, agradecia a Deus por eu não ser daquele jeito. Só que seis meses depois, era eu que estava numa cadeira de rodas.

MC: Você acha que foi tudo uma coincidência?

CR: É muito estranho! Muito estranho. Mas eu acredito que foi uma coincidência.

MC:Você acredita em Deus?

CR: Não de uma forma organizada, como muitas religiões querem nos explicar. Eu acredito na idéia de um ser superior. Na década de 60, do paz e amor, dos hippies americanos, decidi que Deus, pelo menos para mim seria amor. Isso é verdadeiro para mim. Amor não significa só amar a sua família ou amigos. Significa ter amor no coração por todas as pessoas. Amor por aqueles que estão nas ruas, pelos necessitados. Acho que é isso que Deus quer.

MC: Quando você estava no hospital sentiu muito medo? Pensou em se matar, por exemplo?

CR: Quando eu estava no hospital, meu maior medo era não poder mais trabalhar. Medo da minha paralisia me limitar tanto a ponto de não conseguir fazer nada. Eu não sabia como ser pai mais, estava muito preocupado com o futuro. Aos poucos, fui resolvendo um problema de cada vez. Aprendi novas formas de resolver as coisas. Felizmente eu atuei por 28 anos, antes do acidente. Sempre tive vontade de dirigir um filme. E tive a oportunidade de fazer isso alguns anos depois do acidente. Dirigi na cadeira de rodas sem nenhum problema. Com monitores e alguns aparatos para eu poder dirigir a cena, olhando diretamente na câmera. O acidente, a minha paralisia, deu uma oportunidade para eu dirigir. Se eu não fosse estivesse assim, talvez ninguém gostaria de ler um livro sobre a minha vida. Talvez quisessem, mas quando eu fosse bem mais velho, com 80 anos... As pessoas compraram o livro para ler sobre o acidente. Eu era uma pessoa muito ativa. Fazia muitos esportes, não ligava para muitas coisas. Hoje, penso, que às vezes é melhor ficar tranqüilo, sentar com meus filhos e ouvi-los. Realmente ouvir o que eles querem falar. Muitas vezes não temos tempo para isso. Aos poucos, fui vencendo todos os meus medos. E sou muito feliz por tudo que tenho.

MC: Como é a sua rotina?

CR: Eu acordo oito da manhã. Demoro cerca de quatro horas para levantar. Isso porque tenho que fazer exercícios para a perna, braços, para ajudar na circulação. Os enfermeiros usam aparelhos eletrônicos para estimular os músculos das minhas pernas e dos braços. Três vezes por semana eu faço um exercício de bicicleta por uma hora para ajudar no meu condicionamento.


Uma vez por semana eu me exercito na piscina. É muito importante para mim ter saúde, cuidar do meu corpo. Quando a cura for descoberta, eu estarei preparado. Depois de todos esses exercícios, eu fico no escritório. Eu retorno ligações telefônicas... Eu tenho três assistentes. Tenho trinta enfermeiros que se revezam. Sempre existem cinco enfermeiros na casa. O meu trabalho envolve a fundação. Estou escrevendo um novo livro sobre as lições que venho aprendendo nos últimos anos. Vou lançá-lo em abril. Quando viajo a trabalho tenho que ir num avião privado, numa cadeira especial. Quatro pessoas viajam comigo. Sou feliz por fazer isso. A maioria dos deficientes físicos fica muito tempo dentro de casa.

MC: Quanto tempo você acha que os cientistas vão levar para descobrir a cura?

CR: Depende do dinheiro. Os cientistas têm muitas idéias. Acho que a cura virá com a combinação das melhores idéias. Não é como tomar uma aspirina. Agora, com a descoberta das células-tronco, imagino que vai demorar uns dois, três anos. Os cientistas estão progredindo rapidamente. Estão muito perto. Cura é um termo muito relativo. Não é só você levantar e andar. Existe um processo para isso acontecer.

MC: Como você respira, poderia explicar?

CR: Existem ventiladores atrás da cadeira de rodas que puxam o ar, que vai para o meu pescoço e chega nas minhas cordas vocais. Por isso, falo devagar e sou meio rouco. Quando descobrirem a cura, primeiro vou começar a respirar normalmente... depois meus braços vão começar a se movimentar... E as pernas por último. O que é bom nesse processo é que cada parte que se movimentará, será uma vitória.

MC: Há pouco tempo você assistiu os filmes do Superman... Como você se sentiu?

CR: Eu pensei: estava tão bem naquela época! (Ri) Não, sério, eu pensei que depois de todos esses anos, Superman continua um grande filme. Superman foi um filme importante, mas para mim significa mais uma parte do meu trabalho. Fiz muitos filmes e Superman foi um deles. Eu não me senti mal ao assistir de novo, fiquei feliz pelo filme existir, ter marcado uma época.

MC: Você gostaria de dar algum recado para os brasileiros?

CR: Mesmo que falte dinheiro, mesmo onde a vida é muito difícil, se formos poderosos ou ninguém, temos que amar uns aos outros. Porque do contrário, estamos perdidos. Se nunca conseguirmos nos colocar no lugar das outras pessoas, respeitá-las, amá-las e tratá-las da forma que gostariam que nos tratassem, nada de bom pode acontecer para nós mesmos.
 

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